APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele, e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las aos seus próprios recursos e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as, em vez disso, com antecedência, para a tarefa de renovar o mundo comum.
Hannah Arendt (2001, p. 247).

O cenário que se apresenta hoje, no cotidiano das escolas públicas do DF, ainda é fortemente marcado por manifestações de violência, indisciplina, descasos, adoecimentos. É comum ouvir de professores que já tentaram de tudo e que estão esgotados. Dos alunos ouvimos que não suportam mais a escola e que o professor não os entende. Dos pais, uma fala tem sido repetida muitas vezes: “Não sei mais o que fazer, só posso contar com vocês”. São muitos papeis envolvidos, muitos fazeres, muitos desencantos, mas, também, muitas esperanças.
E foi inspirado pela esperança e sustentado pela crença de que é possível, sim, fazer algo consistente e inovador, e, em consonância com as políticas de educação em direitos humanos e em diversidade, que foi criado um grupo de trabalho para discutir, oferecer material de apoio e propor ações que culminem na elaboração de um plano de convivência escolar para a escola, preservando sua identidade e destacando suas especificidades.
É preciso ir além das listagens de direitos e deveres, das regras e normas, dos pactos tantas vezes estéreis e esvaziados de sentido, de apropriação e de consciência crítica. É preciso avançar no entendimento das identidades, na valorização do individual e do coletivo, nos limites necessários, na responsabilidade que deve ser assumida, na afetividade e no respeito que precisam ser alimentados.
Este documento, elaborado pelo GT, consiste em um referencial, um norteador para o processo de discussão e de construção coletiva e democrática de planos de convivência nas escolas públicas do DF.
O conjunto de orientações e ações propostas neste material não tem a intenção de ditar ou impor o trabalho a ser realizado em cada escola e regional de ensino. Pretende, sim, dialogar com a comunidade escolar, mobilizando e promovendo uma análise profunda das relações que se estabelecem no interior das escolas. Nesse sentido, os conflitos e tudo o que advêm deles não serão negados, ignorados, como normalmente fazemos com aquilo que não entendemos, aceitamos ou mesmo com o que não sabemos lidar. Assim, eles serão desvelados, compreendidos e utilizados como instrumento de intervenção para uma mudança de postura, para uma nova realidade.

sábado, 2 de junho de 2012


A convivência escolar e o meio ambiente


O texto do artigo do Dr. Henry Smith, que se encontra logo abaixo, pode e deve ser utilizado em qualquer momento do processo de aprendizagem (coordenação pedagógica, sala de aula, gincanas, reunião de pais e mestres, entre outros) como um instrumento de reflexão acerca dos valores que permeiam nossas noções para a convivência entre os seres humanos e destes com os elementos da natureza.  
Decorridos quase dois séculos da carta do cacique indígena Seatle ao Presidente do Estados Unidos, suas lições permanecem atuais e proféticas, para todos aqueles que sabem enxergar no fundo do conteúdo de sua mensagem.

A carta do cacique Seatle é uma lição inesgotável de amor à natureza e à vida, que permanece na consciência de milhões de pessoas em todas as partes do mundo. É o hino de todos aqueles que amam a natureza e tudo o que nela vive. A cada leitura, renovamos os ensinamentos que ali estão.
Serve para ler e reler e passar adiante para que todos a conheçam.
No Brasil, existiam em torno de 4 milhões de indígenas, quando os colonizadores chegaram. Hoje, restam cerca de 200 mil! Embora o indígena tenha contribuído de forma essencial para a miscigenação da raça brasileira, é certo que foram sendo expulsos de suas terras pelos exploradores e eliminados por doenças contraídas através do convívio com os brancos.
Atualmente, continuam sofrendo a invasão de suas terras por madeireiros, fazendeiros e garimpeiros, seus principais algozes.
É fundamental que sejam preservadas as riquezas dessas culturas, suas danças, ritos, conhecimentos sobre as plantas e animais e as formas de viver em harmonia com a natureza. Os indígenas possuem uma sabedoria milenar que precisamos aprender a ouvir.
A história dos indígenas em cada país onde existiam, antes do homem branco, é diferente nas suas particularidades, mas no seu conteúdo são iguais. Nos Estados Unidos ou no Brasil, os problemas enfrentados pelos indígenas foram os mesmos. Daí esse sentimento de solidariedade e cooperação que existe entre os diferentes povos indígenas e essa sabedoria milenar da qual todos nós temos muito que aprender.

O referido texto foi traduzido pela equipe de Floresta Brasil diretamente do artigo original, publicado em inglês em 1887, e pode ser encontrado na seção em língua inglesa da página: http://www.florestabrasil.org.br.

O velho cacique Seattle era o maior índio que eu jamais havia visto. E o que tinha aparência mais nobre. Em seus mocassins, ele media mais de 1,80m, ombros largos, tórax amplo e traços finos. Seus olhos eram grandes, inteligentes, expressemos e amigáveis quando em repouso, e espelhavam fielmente os variados estados de espírito da grande alma que olhava através deles. Normalmente ele era solene, calado e digno, porém nas grandes ocasiões movia-se na multidão como um Titã entre Liliputianos, e o que dissesse era lei.
Quando se levantava para falar, em reuniões, ou para oferecer conselho, todos os olhos se voltavam para ele, e então frases profundas, sonoras e eloquentes fluíam de seus lábios assim como trovões de cataratas fluindo continuamente de fontes inexauríveis. Suas diretrizes soavam tão nobres como teriam soado aquelas do mais cultivado chefe militar que estivesse no comando das forças de todo o continente. Nem sua eloquência, nem sua dignidade ou sua graça haviam sido adquiridas. Elas eram tão próprias da sua personalidade quanto as folhas e as flores o são em um pessegueiro em flor.
Sua influência era maravilhosa. Ele poderia ter sido um imperador, mas todos os seus instintos eram democráticos, e ele comandava os seus leais cidadãos com suavidade e com paternal benignidade.
Ele sempre era alvo de especial atenção pelo homem branco, principalmente quando sentado à sua mesa. Era nessas ocasiões que ele demonstrava, mais do que em qualquer outro lugar, o cavalheirismo que lhe era genuíno.
Assim que o Governador Stevens chegou em Seattle e disse aos nativos que tinha sido indicado com comissário para assuntos indígenas para o território de Washington, estes lhe prepararam recepção frente dos escritórios do Dr. Maynard's, na margem próxima da Rua Principal - Main Street. A baía enxameava de canoas enquanto a margem esta tomada por uma morena e movimentada massa humana. Quando o timbre de trombeta da voz do velho cacique espalhou-se sobre a imensa multidão como o rufar de um tambor, formou-se um silêncio tão instantâneo e perfeito como aquele que segue o crack do trovão em um céu limpo.
Sendo então apresentado à multidão nativa pelo Dr. Maynard, em um tom conversacional, direto e objetivo, o Governador deu imediatamente início a uma explanação sobre sua missão, que é conhecida demais para que requeira recapitulação.
Quando ele se sentou, o cacique Seattle levantou-se com a dignidade de um senador que carrega em seus ombros a responsabilidade sobre uma grande nação.
Colocando uma mão sobre a cabeça do Governador, e lentamente apontando para o céu com o dedo indicador da outra, em tom solene e impressionante, começou seu memorável pronunciamento.

Fonte: Trechos de um diário: O Cacique Seattle: Um cavalheiro por instinto. 10º artigo da série “Primeiras Reminiscências” - Seattle Sunday Star, 29 de outubro de 1887 do articulista Henry Smith (tradução livre, pela equipe de Floresta Brasil).

Texto completo da carta que o índio Seattle, cacique da tribo Suquamish, escreveu, em 1855, para o então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce:


O Grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O Grande Chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa da nossa amizade. Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O Grande Chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas - elas nuca empalidecem. Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho. O homem branco esquece a sua terra natal, quando, depois de morto vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos das campinas, o calor que emana do corpo de um mustang, o homem - todos pertencem à mesma família. Portanto quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, não. Porque esta terra é para nós sagrada.

Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendemos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar da água é a voz do pai de meu pai. Os rios são irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas cargas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão. Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mais sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mão - a terra, e seu irmão - o céu, como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante.

Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto: Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende. Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende. O barulho parece insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo o pinheiro. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem. O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe seu último suspiro. E se te vendermos a nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado coma fragrância das flores campestres.

Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: O homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que nós, os índios, matamos apenas para o sustento de nossa vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si. Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de teus pés são as cinzas de nossos antepassados. Para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à terra. Disto temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama de vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Mas nós vamos considerar a vossa oferta e ir para a reserva que destinais ao meu povo. Viveremos à parte e em paz. Que nos importa o lugar onde passarem os o resto dos nossos dias? Já não serão muitos. Ainda algumas horas, alguns invernos e não restará qualquer dos filhos das grandes tribos que viveram outrora nestas terras, ou que vagueiam ainda nas florestas. Nenhum estará cá para chorar as sepulturas de um povo tão poderoso e tão cheio de esperança como o vosso. Mas porque chorar o fim do meu povo? As tribos são constituídas por homens e nada mais. E os homens vão e vêm como as vagas do mar.

Nem o próprio homem branco pode escapar ao destino comum. Apesar de tudo talvez sejamos irmãos, veremos. Mas, nós sabemos uma coisa, que o homem branco talvez venha a descobrir um dia, o nosso Deus é o mesmo Deus. Ele é o Deus dos homens e a Sua misericórdia é a mesma para o homem de pele vermelha e para o homem branco. A terra é preciosa aos olhos de Deus e quem ofende a terra cobre o seu criador de desprezo. O homem branco perecerá também e, quem sabe, antes de outras tribos. Continuem a macular o vosso leito e irão sufocar nos vossos desperdícios.

Mas na vossa perdição brilhareis em chamas ofuscantes acendidas pelo poder de Deus que vos conduziu e que, por desígnios só por Ele conhecidos, vos deu poder sobre estas terras e sobre o homem de pele vermelha. Este destino é para nós um mistério. Não o compreendemos quando os búfalos são massacrados, os cavalos selvagens subjugados, os recantos secretos das florestas ficam impregnados do odor de muitos homens e as colinas desfiguradas pelos fios falantes. Onde está a floresta virgem? Desapareceu. Onde está a águia? Morreu. Qual o significado de abandonar os pôneis e a caça? É parar de viver e começar a vegetar.

É nestas condições que vamos considerar a oferta da compra das nossas terras. E se aceitarmos será apenas para ficarmos seguros de recebermos a reserva que nos prometeram. Talvez aí possamos acabar os nossos dias e quando o último homem de pele vermelha tiver desaparecido desta terra, e a sua recordação não for mais do que a sombra de uma núvem deslizando na pradaria, estes lugares e estas florestas abrigarão ainda os espíritos do meu povo. Assim se vendermos as nossas terras amai-as como as temos amado e cuidai delas como nós cuidámos. E com toda a vossa força e o vosso poder conservem-na para os teus filhos e amem-na como Deus nos ama a todos.

Sabemos uma coisa: o nosso Deus é o mesmo Deus. Ele ama esta terra. O próprio homem branco não pode fugir ao mesmo destino. Talvez sejamos irmãos, veremos.

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